sexta-feira, 17 de abril de 2015

Corpo aquífero agudo







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Á.g.u.a.
Tecido volúvel que penetra os poros e ensopa as carnes.
Matéria malemolente do universo.
Um dos absurdos da existência.

Domingo. 
Nublado no céu. 
Desço as escadas rumo ao desejo de fotografar alguma coisa, algum motivo fotografável que dispare a lente, o olho, a máquina. NADA. 
O buraco cheio de água refletia vazio as poucas nuvens que no céu disparavam. 
O buraco d´água já era uma fotografia, quadrado absoluto de imagens refletidas. 
Tamanho, intensidade, textura, linha, tudo que o seduz o olho para um bom registro inútil. 
Nada. 
Olho-máquina desinteressado.
Larguei o aparelho do celular na borda. 
[Gosto do limite que a borda supõe].
- Um excelente lugar para a câmera descansar o olho. 
Entrei devagarinho na água, os olhos bem abertos visando a imagem das poucas nuvens que refletiam na psicina. 
Eu mergulhando e as nuvens saindo. As nuvens ficando zonzas, vibrando as formas na medida em que meu corpo penetrava na água, não mais aquela substância branca que nossa linguagem nomeia como nuvem. - Agora disforme, corpo cheio ou vazio para ser qualquer coisa que pudermos imaginar.
Mas eu não estava completamente i(sub)mersa, da cintura para cima continuava ilesa, 
[menos as mãos - esse fragmento do corpo penetrável que desdenha todas as fronteiras]
Pensamento.
Ensaiei alguns gestos com as pernas, essas danças que na solidão excitam qualquer corpo e desmontam qualquer vergonha. 
Então, não mais a nuvem se desmanchava mas o meu corpo entrava em decomposição na medida em que eu imergia.
As cores do vestido grudadas na minha pele, encharcado do peso da água ou do peso da pele; e eu já não sabia o que era tecido e o que era carne. 
Era um corpo tecido de carne. 
Recordo do frio mas a imagem tinha calor. 
Enquanto aumentava a intensidade de contato com água ela parecia se multiplicar, excedendo as bordas, devastada pelo meu lampejo de fúria e vertigem.
Naquela altura, já estava tão malemolente que não me atrevia saber se eu estava dentro da água ou fora de mim; 
Desnecessário saber, o tempo da experiência - como o tempo do amor - anda à revelia da linguagem. 

Desmanchei em água.

O olho foi o primeiro a sucumbir.